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11 de ago. de 2010

Crônicas sobre o Rio

Paladino da Tradição – Joaquim Ferreira dos Santos

Desço a Rua da Quitanda em direção à Presidente Vargas. O carro apressado, nada educado, passa rápido, jogando o esgoto que brota do chão nas calças das pessoas. O mendigo sujo pede cigarros e esmolas a quem quer que passe. O PM conversa com o vendedor de bolsas de grifes famosas falsificadas. Parecem amigos de infância. Um protesto tumultua o trânsito. E não há sirene de ambulância que dê jeito de abrir passagem na Rio Branco paralisada. Estou no meio de um inferno. Barulho, multidão, sol do meio-dia, fome… E ainda digo aos amigos que amo trabalhar no Centro do Rio.

Atravesso a Presidente Vargas andando pela frente da Candelária. Lembro-me da chacina inevitavelmente todas as vezes em que passo pelos desenhos das pessoas no chão, uma marca da tragédia para que ninguém se esqueça daquela madrugada de 1993. Do outro lado da avenida o fluxo de pedestres já é um pouco menor. Não preciso mais me desviar de executivos, boys, camelôs e estudantes que entopem o nosso Centro querido. Me abrigo do sol nas grandes marquises que protegem as calçadas. Dobro à direita na Rua Uruguaiana e sigo em frente. Na esquina com a Marechal Floriano, entro num armazém com armários de madeira repletos de bebidas e conservas. Não é um mercado de secos e molhados qualquer. É o Paladino, com mais de 100 anos de vida, de bons serviços prestados à cena etílico-cultural da cidade.

O endereço vive lotado na hora do almoço. O que é engraçado, porque ali não é servido o que se convencionou chamar de almoço. O cardápio mais que enxuto apresenta algumas poucas coisas: uns sandubas, omeletes e porções de frios, além de polvo e sardinhas portugueses enlatados. O que se hoje conhece como boteco, nas suas origens era assim, um armazém que servia umas coisinhas para comer. O chope tirado na tulipa é daqueles que se pode chamar de primoroso. Tem colarinho de três dedos, de creme espesso, copos bem limpos (sim, isso é muito importante, não só em termos de higiene, mas de garantia da integridade da bebida, muito afetada por resquícios de gordura ou detergente) e é servido gelado como manda o protocolo da bebida no Rio de Janeiro.

Quando quero um almoço leve que não seja uma saladinha do Gula Gula do do Delírio Tropical apelo ao Paladino. Hoje pedi, como quase sempre, uma omelete de bacalhau. Fofinha e leve, com muitas lascas do peixe, cebola e salsinha, é regada com azeite português na própria mesa (reparou no brilho da foto?). Mas o garçom leva embora a lata. Peça para ele deixar, mas não é certo conseguir isso. Vai depender do humor dos garçons, dia bom, dia ruim, dia ruim, dia bom. O que pode parecer falha grave no atendimento, na verdade, é parte do folclore de nossos botecos: o serviço tem que ter um quê de ranzinza. Uns pedacinhos de pão francês acompanham e dão mais sustância à refeição.

Há quem coma e beba de pé, no balcão centenário de madeira escura. Porque as mesas vivem lotadas na hora do almoço. Para melhor aproveitar os dois pequenos salões, há pouco espaço entre elas, a ponto de ser uma dificuldade alcançar as mais distantes. No meio da confusão e do aperto, enquanto traço prazerosamente a minha refeição, o garçom gentilmente me pede para passar para a mesa do lado o trio (sanduíche de salaminho, queijo e ovo, um dos clássicos da casa) e a omelete de sardinha. Volta em seguida, agora solicitando minha ajuda no serviço dos chopes. Os vizinhos até me ofereceram, meio brincando, meio de verdade, 10% de serviço.

Só não deixe de levar dinheiro vivo, porque o Paladino é tradicional até o caroço e não se rendeu à modernidade do cartão de crédito. Taí um defeito desse emblemático lugar, que vinha me parecendo perfeito. O pior é que eu sempre me esqueço disso. Dia desses chego lá sem um tostão. Espero não precisar lavar pratos. Se o Paladino é tão das antigas, será que rola um pendura?

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