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30 de ago. de 2010

Imagino, logo existo



Olhando pela janela em um dia tedioso, constatei que meu mundo é limitado. Percebi que não conheço todas as pessoas, não fui a todos os lugares, não vivi todos os tempos. Tais coisas só me são possíveis ao sabor da imaginação.
Às vezes sinto inveja do vento. Imagine como seria poder voar pra onde quer que seja, admirar qualquer paisagem, sussurrar ao ouvido de qualquer desatento. Meu mundo não seria limitado. Eu seria apenas uma leve brisa soprando ao acaso, despretensiosamente.
Mas já que não posso viver tudo que o mundo proporciona a ser vivido, permaneço imaginando. Pois a imaginação é como o vento. São ambos grandes maestros desta confusa e magnífica orquestra chamada universo.
Agora retorno ao início, ao momento em que olhava pela janela, e vejo o quanto eu estava enganada. Meu mundo não é limitado, pois detenho em minhas mãos a chave que abre todas as portas. Imagino, logo existo.

Francyne Alves, turma 801.

17 de ago. de 2010

Prorrogado o prazo!

O Comitê que organiza a Olimpíada prorrogou a entrega dos textos até sexta-feira, 20/08. Em virtude disso, você ainda pode mandar seu texto até amanhã, para o meu e-mail: m1motta@hotmail.com.

Abraços

Katia Motta

15 de ago. de 2010

Olimpíada de Língua Portuguesa

Está chegando ao final o prazo para postagem dos textos. Aguardo seu texto até amanhã, 10:00h, prazo final! Olhem as postagens de agosto, desde a primeira, que apresenta slides sobre o gênero crônica. Depois, veja os vídeos sobre o Rio e leia algumas crônicas para inspirar.
No site www.escrevendoofuturo.org.br você encontra todas as informações sobre o concurso.

Aguardo seu texto!

Katia Motta

11 de ago. de 2010

Crônicas sobre o Rio

O Carioca é. Antes de tudo. Millor Fernandes


Os paulistanos(!) que me perdoem, mas ser carioca é essencial. Os derrotistas que me desculpem, mas o carioca taí mesmo pra ficar e seu jeito não mudou. Continua livre por mais que o prendam, buscando uma comunicação humana por mais que o agridam, aceitando o pão que o diabo amassou como se fosse o leite da bondade humana. O carioca, todos sabem, é um cara nascido dois terços no Rio e outro terço em Minas, Ceará, Bahia, e São Paulo, sem falar em todos os outros Estados, sobretudo o maior deles o estado de espírito. Tira de letra, o carioca, no futebol como na vida. Não é um conformista -- mas sabe que a vida é aqui e agora e que tristezas não pagam dívidas. Sem fundamental violência, a violência nele é tão rara que a expressão "botei pra quebrar" significa exatamente o contrário, que não botou pra quebrar coisa nenhuma, mas apenas "rasgou a fantasia", conseguiu uma profunda e alegre comunicação -- numa festa, numa reunião, num bate-coxa, num ato de amor ou de paixão -- e se divertiu às pampas. Sem falar que sua diversão é definitivamente coletiva, ligada à dos outros. Pois, ou está na rua, que é de todos, ou no recesso do lar, que, no Rio é sempre, em qualquer classe social, uma open-house, aberta sob o signo humanístico do "pode vir que a casa é sua".
Carioca, é. Moreno e de 1,70 metro de altura na minha geração, com muitos louros de 1,80 metro importados da Escandinávia na geração atual, o carioca pensa que não trabalha. Virador por natureza, janota por defesa psicológica, autocrítico e autogozador não poupando, naturalmente, os amigos e a mãe dos amigos -- ele vai correndo à praia no tempo do almoço apenas pra livrar a cara da vergonhosa pecha de trabalhador incansável. E nisso se opõe frontalmente ao "paulista", que, se tiver que ir à praia nos dias da semana,vai escondido pra ninguém pensar que ele é um vagabundo.
Amante de sua cidade, patriota do seu bairro, o carioca vai de som (na música), vai de olho (é um paquerador incansável e tem um pescoço que gira 360 graus), vai de olfato (o odor é de suprema importância na fisiologia sexual do carioca).
Sem falar que, em tudo, vai de espírito; digam o que disserem, o papo, invenção carioca, ainda é o melhor do Brasil, incorporando as tendências básicas do discurso nacional: o humanismo mineiro, o pragmatismo paulista, a verborragia baiana.
E basta ouvir pra ver que o nervo de todas as conversas cariocas, a do bar sofisticado como a do botequim pobre e sujo, por isso mesmo sofisticadíssimo, a do living-room granfa, a da cama (antes e depois), é o humor, a crítica, a piada, a graça, o descontraimento. Não há deuses e nada é sagrado no Olimpo da sacanagem. O carioca é, antes de tudo, e acima de tudo, um lúdico. Ainda mais forte e mais otimista do que o homem da anedota clássica que, atravessado de lado a lado por um punhal, dizia: "Só dói quando eu rio", o carioca, envenenado pela poluição, neurotizado pelo tráfego, martirizado pela burocracia, esmagado pela economia, vai levando, defendido pela couraça verbal do seu humor.
Só dói quando ele não ri.
Só dói quando ele não bate papo.
Só dói quando ele não joga no bicho.
Só dói quando ele não vai ao Maracanã.
Só dói quando ele não samba.
Só dói quando ele esquece toda essa folclorada acima, que lhe foi impingida anos a fio com o objetivo de torná-lo objeto de turismo, e enfrenta a dura realidade... carioca.
Carioca da gema - João Antônio

Carioca, carioca da gema seria aquele que sabe rir de si mesmo. Também por isso, aparenta ser o mais desinibido e alegre dos brasileiros. Que, sabendo rir de si e de um tudo, é homem capaz de se sentar ao meio-fio e chorar diante de uma tragédia. O resto é carimbo. Minha memória não me permite esquecer. O tio mais alto, o meu tio-avô Rubens, mulherengo de tope, bigode frajola, carioca, pobre, porém caprichoso nas roupas, empaletozado como na época, impertigado, namorador impenitente e alegre e, pioneiro, me ensinar nos bondes a olhar as pernas nuas das mulheres e, após, lhes oferecer o lugar. Que havia saias e pernas nuas nos meus tempos de menino.
Folgado, finório, malandreco, vive de férias. Não pode ver mulher bonita, perdulário, superficial e festivo até as vísceras. Adjetivação vazia... E só idéia genérica, balela, não passa de carimbo.
Gosto de lembrar aos sabidos, perdedores de tempo e que jogam conversa fora, que o lugar mais alegre do Rio é a favela. E onde mais se canta no Rio. E, aí, o carioca é desconcertante. Dos favelados nasce e se organiza, como um milagre, um dos maiores espetáculos de festa popular do mundo, o Carnaval.
O carimbo pretensioso e generalizador se esquece de que o carioca não é apenas o homem da Zona Sul badalada — de Copacabana ao Leblon. Setenta e cinco por cento da população carioca moram na Zona Centro e Norte, no Rio esquecido. E lá, sim, o Rio fica mais Rio, a partir das caras não cosmopolitas e se o carioca coubesse no carimbo que lhe imputam não se teriam produzido obras pungentes, inovadoras e universais como a de Noel Rosa, a de Geraldo Pereira, a de Nelson Rodrigues, a de Nelson Cavaquinho... Muito do sorriso carioca é picardia fina, modo atilado de se driblarem os percalços.
Tenho para mim que no Rio as ruas são faculdades; os botequins, universidade. Algumas frases apanhadas lá nessas bigornas da vida, em situações diversas, como aparentes tipos-a-esmo:"Está ruim pra malandro" - o advérbio até está oculto."Quem tem olho grande não entra na China"."A galinha come é com o bico no chão"."Negócio é o seguinte: dezenove não é vinte"."Se ginga fosse malandragem, pato não acabava na panela"·
"Não leve uma raposa a um galinheiro"."Se a farinha é pouca o meu pirão primeiro"."Há duas coisas em que não se pode confiar. Quando alguém diz "deixe comigo" ou "este cachorro não morde"."Amigo, bebendo cachaça, não faço barulho de uísque"."Da fruta de que você gosta eu como até o caroço"."A vida é do contra: você vai e ela fica".
Como filosofia de vida ou não, vivendo numa cidade em que o excesso de beleza é uma orgia, convivendo com grandezas e mazelas, o carioca da gema é um dos poucos tipos nacionais para quem ninguém é gaúcho, paraibano, amazonense ou paulista. Ele entende que está tratando com brasileiros.
Semente da memória - Heloísa Seixas

Nasci na Rua Faro, a poucos metros do Bar Jóia, e, muito antes de ir morar no Leblon, o Jardim Botânico foi meu quintal. Era ali, por suas aléias de areia cor de creme, que eu caminhava todas as manhãs de mãos dadas com minha avó. Entrávamos pelo portão principal e seguíamos primeiro pela aléia imponente que vai dar no chafariz. Depois, íamos passear à beira do lago, ver as vitórias-régias, subir as escadarias de pedra, observar o relógio de sol. Mas íamos, sobretudo, catar mulungu. Mulungu é uma semente vermelha com a pontinha preta, bem pequena, menor do que um grão de ervilha. Tem a casca lisa, encerada, e em contraste com a pontinha preta seu vermelho é um vermelho vivo, tão vivo que parece quase estranho à natureza. É bonita.
Era um verdadeiro prêmio conseguir encontrar um mulungu em meio à vegetação, descobrir de repente a casca vermelha e viva cintilando por entre as lâminas de grama ou no seio úmido de uma bromélia. Lembro bem com que alegria eu me abaixava e estendia a mão para tocar o pequeno grão, que por causa da ponta preta tinha uma aparência que a mim lembrava vagamente um olho. Disse isso à minha avó e ela riu, comentando que eu era como meu pai, sempre prestava atenção nos detalhes das coisas. Acho que já nessa época eu olhava em torno com olhos mínimos.
Mas a grandeza das manhãs se media pela quantidade de mulungus que me restava na palma da mão na hora de ir para casa. Conseguia às vezes juntar um punhado, outras vezes apenas dois ou três. E é curioso que nunca tenha sabido ao certo de onde eles vinham, de que árvore ou arbusto caíam aquelas sementes vermelhas. Apenas sabíamos que surgiam no chão ou por entre as folhas e sempre numa determinada região do Jardim Botânico. Mas eu jamais seria capaz de reconhecer uma árvore de mulungu.
Um dia, procurei no dicionário e descobri que mulungu é o mesmo que corticeira e que também é conhecido pelo nome de flor-de-coral. ''Árvore regular, ornamental, da família das leguminosas, originária da Amazônia e de Mato Grosso, de flores vermelhas, dispostas em racimos multifloros, sendo as sementes do fruto do tamanho de um feijão (mentira!), e vermelhas com mácula preta (isto, sim)'', dizia.
Mas há ainda um outro detalhe estranho: é que não me lembro de jamais ter visto uma dessas sementes lá em casa. De algum modo, depois de catadas elas desapareciam e hoje me pergunto se não era minha avó que as guardava e tornava a despejá-las nas folhagens todas as manhãs, sempre que não estávamos olhando, só para que tivéssemos o prazer de encontrá-las. O fato é que não me sobrou nenhuma e elas ganharam, talvez por isso, uma aura de magia, uma natureza impalpável. Dos mulungus, só me ficou a memória - essa memória mínima.
Pequeno momento carioca - Catarina Cunha

- Mulher! Liga essa água pelo-amor-de-Deus que eu estou todo ensaboado!
- Ih, homem... Parece que a caixa está vazia.
- Traz um balde, então.
- Nadinha.
- Do filtro. Tira do filtro que eu já estou tremendo e todo ardido nas partes.
- E eu vou cozinhar com o quê?
- E eu vou trabalhar com o cabelo duro e todo escorregando?
- Passa a minha toalha que está úmida.
- Que m@#&erd@ é esta? Um copo d’água?
- Metade para escovar os dentes e a outra para enxaguar as partes.
- E a barba?
- Faz à seco e passa álcool.
Vestiu o uniforme, pegou o engarrafamento de rotina. Descendo do ônibus pisou em titica de cachorro. Chegou ao escritório suando espuma de 40° à sombra. Correu para o banheiro para lavar o sapato e enxaguar a cara. Passou a mão no cabelo duro, olhou pela janela a baía da Guanabara rindo aos pés do Pão-de-Açucar e pensou : Que cara de sorte eu sou.

Crônicas sobre o Rio

Paladino da Tradição – Joaquim Ferreira dos Santos

Desço a Rua da Quitanda em direção à Presidente Vargas. O carro apressado, nada educado, passa rápido, jogando o esgoto que brota do chão nas calças das pessoas. O mendigo sujo pede cigarros e esmolas a quem quer que passe. O PM conversa com o vendedor de bolsas de grifes famosas falsificadas. Parecem amigos de infância. Um protesto tumultua o trânsito. E não há sirene de ambulância que dê jeito de abrir passagem na Rio Branco paralisada. Estou no meio de um inferno. Barulho, multidão, sol do meio-dia, fome… E ainda digo aos amigos que amo trabalhar no Centro do Rio.

Atravesso a Presidente Vargas andando pela frente da Candelária. Lembro-me da chacina inevitavelmente todas as vezes em que passo pelos desenhos das pessoas no chão, uma marca da tragédia para que ninguém se esqueça daquela madrugada de 1993. Do outro lado da avenida o fluxo de pedestres já é um pouco menor. Não preciso mais me desviar de executivos, boys, camelôs e estudantes que entopem o nosso Centro querido. Me abrigo do sol nas grandes marquises que protegem as calçadas. Dobro à direita na Rua Uruguaiana e sigo em frente. Na esquina com a Marechal Floriano, entro num armazém com armários de madeira repletos de bebidas e conservas. Não é um mercado de secos e molhados qualquer. É o Paladino, com mais de 100 anos de vida, de bons serviços prestados à cena etílico-cultural da cidade.

O endereço vive lotado na hora do almoço. O que é engraçado, porque ali não é servido o que se convencionou chamar de almoço. O cardápio mais que enxuto apresenta algumas poucas coisas: uns sandubas, omeletes e porções de frios, além de polvo e sardinhas portugueses enlatados. O que se hoje conhece como boteco, nas suas origens era assim, um armazém que servia umas coisinhas para comer. O chope tirado na tulipa é daqueles que se pode chamar de primoroso. Tem colarinho de três dedos, de creme espesso, copos bem limpos (sim, isso é muito importante, não só em termos de higiene, mas de garantia da integridade da bebida, muito afetada por resquícios de gordura ou detergente) e é servido gelado como manda o protocolo da bebida no Rio de Janeiro.

Quando quero um almoço leve que não seja uma saladinha do Gula Gula do do Delírio Tropical apelo ao Paladino. Hoje pedi, como quase sempre, uma omelete de bacalhau. Fofinha e leve, com muitas lascas do peixe, cebola e salsinha, é regada com azeite português na própria mesa (reparou no brilho da foto?). Mas o garçom leva embora a lata. Peça para ele deixar, mas não é certo conseguir isso. Vai depender do humor dos garçons, dia bom, dia ruim, dia ruim, dia bom. O que pode parecer falha grave no atendimento, na verdade, é parte do folclore de nossos botecos: o serviço tem que ter um quê de ranzinza. Uns pedacinhos de pão francês acompanham e dão mais sustância à refeição.

Há quem coma e beba de pé, no balcão centenário de madeira escura. Porque as mesas vivem lotadas na hora do almoço. Para melhor aproveitar os dois pequenos salões, há pouco espaço entre elas, a ponto de ser uma dificuldade alcançar as mais distantes. No meio da confusão e do aperto, enquanto traço prazerosamente a minha refeição, o garçom gentilmente me pede para passar para a mesa do lado o trio (sanduíche de salaminho, queijo e ovo, um dos clássicos da casa) e a omelete de sardinha. Volta em seguida, agora solicitando minha ajuda no serviço dos chopes. Os vizinhos até me ofereceram, meio brincando, meio de verdade, 10% de serviço.

Só não deixe de levar dinheiro vivo, porque o Paladino é tradicional até o caroço e não se rendeu à modernidade do cartão de crédito. Taí um defeito desse emblemático lugar, que vinha me parecendo perfeito. O pior é que eu sempre me esqueço disso. Dia desses chego lá sem um tostão. Espero não precisar lavar pratos. Se o Paladino é tão das antigas, será que rola um pendura?